Antonio Jorge e Cassius Abelem em frente à maloca construída no quintal do casarão 28 para reuniões na Copa do Mundo de 1974 |
Na época, em grave crise financeira, estávamos, eu e meus dois filhos, estudando a possibilidade de vender o casarão. Eu, morando sozinha, em uma casa enorme, situada em uma rua do bairro do Reduto, sem segurança, com poucos vizinhos residentes, vazia nos fins de semana e feriados. Casa, rua e bairro embebidos em recordações de quarenta e hum anos de vivência, dos quais oito enfrentando dificuldades de combate à doença degenerativa do chefe da família, diagnosticada de forma avassaladora e agravada depois por uma infecção hospitalar na UTI do melhor hospital da América Latina, Albert Einstein, que abalou sua saúde, a vida de nossa família e de suas irmãs e cunhados. Além disso, o morar no casarão exigia uma despesa enorme para sua manutenção, do telhado ao porão. Estávamos estudando as possibilidades, ainda que doesse o coração, de nos desfazer do imóvel. Fomos percebendo pouco a pouco que apesar de linda e espaçosa nossa casa era avaliada no mercado imobiliário por muito pouco se comparada com um apartamento que poderíamos trocar ou comprar. O dinheiro a ser recebido por sua venda não daria para mobiliar o apartamento, mesmo levando boa parte do mobiliário antigo. A questão da preservação de casas antigas é muito mais complicada do que se pensa e o incentivo para isso é quase inexistente por parte do poder público. Sempre argumento este aspecto nas nossas lutas pela preservação de bens particulares na cidade. Por outro lado, meus filhos estavam atrás de um imóvel para montar uma empresa em sua área de trabalho, rede de computação, e os alugueis se revelavam bastante elevados. Neste espaço de tempo leio o texto de Bruno, com comentários de Ediney Martins, mexendo fundo em sentimentos e saudades e ampliando o orgulho em relação à casa e o significado dela não só para a família Abelem, mais para os amigos, principalmente crianças, que nela conviveram e acompanharam sua história.
Bruno e Ediney foram colegas do meu filho mais novo, Cassius, desde o primário até o colegial no Núcleo Pedagógico Integrado – NPI da Universidade Federal do Pará – UFPA. Conviveram conosco no casarão em momentos de estudo e lazer, de alegrias, broncas e tristezas Tomo a liberdade de tecer alguns trechos do blog de Bruno com comentários meus e de Ediney.
Bruno – Você leitor pode pensar que estou feliz pois o carnaval está chegando, estou ouvindo marchinhas ..., não é? Bem, não posso dizer que estou feliz, nem tampouco triste, estou melancólico e ao mesmo tempo frustrado. ... Ontem, ao falar com um grande amigo, fui informado por ele, que a família dele está vendendo a casa em que ele fora criado e que por muitas vezes estive presente, brincando e estudando durante minha infância. Para aqueles que conhecem superficialmente aquela casa, poderá parecer que se trata de uma casa antiga e ponto, sem muito valor que, devido a sua localização, seria mais viável economicamente transformá-la em um negócio qualquer. Todavia, aqueles que a conhecem profundamente, sabem do que estou falando. É uma casa com personalidade forte e que impõe respeito. Trata-se de uma casa em estilo antigo que deve ter aproximadamente cem anos, pois fica no bairro do Reduto, local que décadas atrás era um local muito movimentado social e economicamente, mas que devido à dinâmica especulativa da cidade, ficou quase que no ostracismo urbano. Importante reconhecer que na última década bairro ganhou força, foi “turbinado” por uma onda de empreendimentos lá instalados. A casa tem “pé direito” alto, piso de madeira, corredor largo, em torno de cinco quartos, quintal, terrace (para aqueles que gostam de um bom “papo molhado” com os amigos é perfeito aquele espaço). Por falar no terrace, é inevitável lembrar do “velho” Abelem, pai do meu amigo. Sendo sincero, apesar de conhecê-lo superficialmente, a imagem que tenho dele é aquela do pai perfeito, se é que existe. No último encontro com o “velho Abelem”, estávamos eu, Rogério, Ediney e o Cassius no terrace quando ele aproximou-se e participou do nosso breve e inesquecível encontro. Já com limitações em decorrência de uma doença que persistia em tirar sua vitalidade, mesmo assim, o seu Abelem (como eu o chamava) conseguiu brincar conosco, fazendo com que aquele encontro de velhos e queridos amigos se tornasse indelével em minha mente. Na ligação telefônica de ontem com o Cassius, cobrei dele que promovêssemos um novo encontro no terrace com o objetivo de reinaugurá-lo, desta feita, já com a poesia de João de Jesus Paes Loureiro que um dia fora pintada em uma das paredes do terrace, mas que o tempo cuidou de apagar. ... . Falei acima em melancolia e frustração, bem o primeiro sentimento se dá em virtude da venda da casa, o segundo, pelo fato da venda não ser para mim, é reconheço, sempre tive um sonho secreto de um dia morar naquela casa. Nunca havia externalizado para o Cassius, talvez por vergonha como ele pudesse interpretar minha intenção. Algumas semanas atrás havia confidenciado à minha esposa que tão logo tivesse oportunidade, engoliria a vergonha e diria a ele que, se um dia a família dele pusesse a casa à venda, gostaria que me fosse dada a preferência. Em resumo, não falei, a casa foi posta à venda e o negócio quase concluído. Papai do céu não quis.”
Bruno se referia à poesia que JJ Paes Loureiro, amigo do Abelem e integrante da turma de advogados de 1964, escrevera com pincel na parede do terrace do casarão quando de sua inauguração para reunir amigos e celebrar as noites de lua cheia.
“ Passa barca
Passa vento
Passa amante
Passa amada
Passa a vida
Fica o amor
Passa o amor
Não fica nada
Então brindemos o amor, maior que a vida,
Bebendo nesta taça do luar
Que a cerveja é melhor do que a tristeza
e faz da bem amada nosso mar”
Ediney – Irmão, o texto é lindo e bateu fundo no peito. Loas ao Abelem e a todas as nossas boas lembranças daquela casa, que persistirão independentes da existência física dela, inclusive, porque é na nossa memória que vivo estamos crianças e vivo está o velho Abelem que, ao se emocionar quando nos viu naquele encontro, se fez ainda mais presente - para sempre - em nossas vidas. Devo dizer que é prova de bom gosto pensar em um dia morar ali se um dia quisessem vender, e já adianto que isso também passava pela minha cabeça quando morava em Belém, mas ando pelas bandas de cá. Acho que estou em Belém no final de fevereiro, então fala para o Cassius colocar no contrato de venda que queremos o terraço por mais um final de semana, para celebrarmos a vida e os momentos eternos, porque, como diz o poema do Paes Loureiro no final, "passa o amor...não fica nada”. Celebremos juntos, mais uma vez, a vida e o amor que sempre nos uniu. Obrigado pelo presente do texto.
Auriléa – Bruno, Fiquei muito emocionada ao ler seu texto sobre nossa casa e nosso querido Abelem que nos deixou essa imagem de um homem íntegro, alegre e principalmente amigo e companheiro, passando para a casa, nosso lar, a personalidade forte a que você se refere. Emocionada pela amizade de vocês, pelas lembranças agradáveis da infância e por termos contribuído para essas coloridas recordações. Fiquei também impressionada de vocês terem guardado na memória a poesia que o João de Jesus Paes Loureiro escreveu na parede do terrace.
Ediney - "Dona Auriléa, vi só agora a sua mensagem, depois de um carnaval que tive o prazer de passar com meus dois filhos mais novos (o mais velho mora em Castanhal, com a mãe). Como estou morando perto da praia, íamos todos os dias brincar no mar, mergulhar juntos, fazer buracos na areia, tomar picolé, fazer fotos com sorrisos que o futuro sempre agradecerá, e isso eu devo a vocês dois, ao seu Abelem e à senhora. A senhora sabe ... foi nos momentos que passei na casa de vocês - exatamente essa que motivou o texto do Bruno e que também me pegou de assalto - que aprendi ... e a referência do que é uma família. É certo que todos temos problemas, mas a vida é assim mesmo, não é? Naquela casa tem momentos nossos, esses que formam as pessoas, que são a argamassa da espinha dorsal de nosso caráter, e é por isso que o Bruno e eu ficamos tão emocionados com tudo isso. Devo ir a Belém no final deste mês e estamos combinando um encontro no terraço, para um bate papo, para uma homenagem ao Abelem, a vocês e certamente a todos nós, porque é isso que fica. Muito bom ter lido o seu texto e lhe encontrado por aqui."
Não preciso acrescentar mais nada! Minha emoção está justificada! E a permanência da casa com a família Abelem, também, ainda que não mais para uso residencial! Mas continua linda! Depois eu conto!
Bruno Soeiro e Cassius Abelem - 1a. comunhão NPI/UFPA |
Jorge e Cassius com Nagib e Jorge com premios de torneio |
Bruno – Você leitor pode pensar que estou feliz pois o carnaval está chegando, estou ouvindo marchinhas ..., não é? Bem, não posso dizer que estou feliz, nem tampouco triste, estou melancólico e ao mesmo tempo frustrado. ... Ontem, ao falar com um grande amigo, fui informado por ele, que a família dele está vendendo a casa em que ele fora criado e que por muitas vezes estive presente, brincando e estudando durante minha infância. Para aqueles que conhecem superficialmente aquela casa, poderá parecer que se trata de uma casa antiga e ponto, sem muito valor que, devido a sua localização, seria mais viável economicamente transformá-la em um negócio qualquer. Todavia, aqueles que a conhecem profundamente, sabem do que estou falando. É uma casa com personalidade forte e que impõe respeito. Trata-se de uma casa em estilo antigo que deve ter aproximadamente cem anos, pois fica no bairro do Reduto, local que décadas atrás era um local muito movimentado social e economicamente, mas que devido à dinâmica especulativa da cidade, ficou quase que no ostracismo urbano. Importante reconhecer que na última década bairro ganhou força, foi “turbinado” por uma onda de empreendimentos lá instalados. A casa tem “pé direito” alto, piso de madeira, corredor largo, em torno de cinco quartos, quintal, terrace (para aqueles que gostam de um bom “papo molhado” com os amigos é perfeito aquele espaço). Por falar no terrace, é inevitável lembrar do “velho” Abelem, pai do meu amigo. Sendo sincero, apesar de conhecê-lo superficialmente, a imagem que tenho dele é aquela do pai perfeito, se é que existe. No último encontro com o “velho Abelem”, estávamos eu, Rogério, Ediney e o Cassius no terrace quando ele aproximou-se e participou do nosso breve e inesquecível encontro. Já com limitações em decorrência de uma doença que persistia em tirar sua vitalidade, mesmo assim, o seu Abelem (como eu o chamava) conseguiu brincar conosco, fazendo com que aquele encontro de velhos e queridos amigos se tornasse indelével em minha mente. Na ligação telefônica de ontem com o Cassius, cobrei dele que promovêssemos um novo encontro no terrace com o objetivo de reinaugurá-lo, desta feita, já com a poesia de João de Jesus Paes Loureiro que um dia fora pintada em uma das paredes do terrace, mas que o tempo cuidou de apagar. ... . Falei acima em melancolia e frustração, bem o primeiro sentimento se dá em virtude da venda da casa, o segundo, pelo fato da venda não ser para mim, é reconheço, sempre tive um sonho secreto de um dia morar naquela casa. Nunca havia externalizado para o Cassius, talvez por vergonha como ele pudesse interpretar minha intenção. Algumas semanas atrás havia confidenciado à minha esposa que tão logo tivesse oportunidade, engoliria a vergonha e diria a ele que, se um dia a família dele pusesse a casa à venda, gostaria que me fosse dada a preferência. Em resumo, não falei, a casa foi posta à venda e o negócio quase concluído. Papai do céu não quis.”
Cassius, Fabrício Haber e Bruno Soeiro curtindo brincadeiras no casarão |
Antonio Jorge Abelem com seus filhos Antonio Jorge e Cassius no terrace, tendo ao fundo a poesia de JJPaes Loureiro |
Passa vento
Passa amante
Passa amada
Passa a vida
Fica o amor
Passa o amor
Não fica nada
Então brindemos o amor, maior que a vida,
Bebendo nesta taça do luar
Que a cerveja é melhor do que a tristeza
e faz da bem amada nosso mar”
Ediney – Irmão, o texto é lindo e bateu fundo no peito. Loas ao Abelem e a todas as nossas boas lembranças daquela casa, que persistirão independentes da existência física dela, inclusive, porque é na nossa memória que vivo estamos crianças e vivo está o velho Abelem que, ao se emocionar quando nos viu naquele encontro, se fez ainda mais presente - para sempre - em nossas vidas. Devo dizer que é prova de bom gosto pensar em um dia morar ali se um dia quisessem vender, e já adianto que isso também passava pela minha cabeça quando morava em Belém, mas ando pelas bandas de cá. Acho que estou em Belém no final de fevereiro, então fala para o Cassius colocar no contrato de venda que queremos o terraço por mais um final de semana, para celebrarmos a vida e os momentos eternos, porque, como diz o poema do Paes Loureiro no final, "passa o amor...não fica nada”. Celebremos juntos, mais uma vez, a vida e o amor que sempre nos uniu. Obrigado pelo presente do texto.
Auriléa – Bruno, Fiquei muito emocionada ao ler seu texto sobre nossa casa e nosso querido Abelem que nos deixou essa imagem de um homem íntegro, alegre e principalmente amigo e companheiro, passando para a casa, nosso lar, a personalidade forte a que você se refere. Emocionada pela amizade de vocês, pelas lembranças agradáveis da infância e por termos contribuído para essas coloridas recordações. Fiquei também impressionada de vocês terem guardado na memória a poesia que o João de Jesus Paes Loureiro escreveu na parede do terrace.
Ediney - "Dona Auriléa, vi só agora a sua mensagem, depois de um carnaval que tive o prazer de passar com meus dois filhos mais novos (o mais velho mora em Castanhal, com a mãe). Como estou morando perto da praia, íamos todos os dias brincar no mar, mergulhar juntos, fazer buracos na areia, tomar picolé, fazer fotos com sorrisos que o futuro sempre agradecerá, e isso eu devo a vocês dois, ao seu Abelem e à senhora. A senhora sabe ... foi nos momentos que passei na casa de vocês - exatamente essa que motivou o texto do Bruno e que também me pegou de assalto - que aprendi ... e a referência do que é uma família. É certo que todos temos problemas, mas a vida é assim mesmo, não é? Naquela casa tem momentos nossos, esses que formam as pessoas, que são a argamassa da espinha dorsal de nosso caráter, e é por isso que o Bruno e eu ficamos tão emocionados com tudo isso. Devo ir a Belém no final deste mês e estamos combinando um encontro no terraço, para um bate papo, para uma homenagem ao Abelem, a vocês e certamente a todos nós, porque é isso que fica. Muito bom ter lido o seu texto e lhe encontrado por aqui."
Não preciso acrescentar mais nada! Minha emoção está justificada! E a permanência da casa com a família Abelem, também, ainda que não mais para uso residencial! Mas continua linda! Depois eu conto!
Obrigada por compartilhar com as amigas. Muito bom!
ResponderExcluirGrata Nil por participar e acompanhar meu blog.
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