Os Casarões de Minha
Vida
1. O Colégio das Irmãs Angélicas – 1954/1963
Com uma educação austera, principalmente nos primeiros doze anos de minha vida, apresento a singularidade de ter estudado em casa até o terceiro ano primário, quando, com nove anos, passei a frequentar o colégio das Irmãs Angélicas, que funcionava no belo casarão da foto, situado na Serzedelo Correa, entre Brás de Aguiar e Gentil Bittencourt, local onde hoje existe o prédio do SESI. As Irmãs possuíam dois colégios em Belém, o da Serzedelo, pago e frequentado por crianças e jovens de classe média e outra unidade na Antônio Baena com a 25 de setembro para crianças carentes. Em 1955 quando entrei no colégio, funcionava apenas até quarta série, acrescentando outras séries conforme esta turma avançava. Não tendo onze anos, idade exigida na época para frequentar o ginásio, não foi possível acompanhar a turma na qual entrei. Tive que cursar um ano de admissão , só entrando para o ginásio em 1957. Fato que só se tornou viável graças a interferência da minha professora primária, Zilda Garcia, na foto comigo, que também ensinava nesse estabelecimento educacional e convenceu meus pais das vantagens de eu ir para um colégio, que tinha inclusive transporte para condução das alunas, sendo a partir do segundo ano primário somente feminino. Nesse mesmo período meus irmãos, Pedro e Antônio Rafael, passaram a estudar no colégio Suíço Brasileiro, na Avenida Nazaré.
Ainda morávamos na primeira casa
quando passei a frequentar o Colégio São Paulo. Eu lembro do ônibus escolar
indo me apanhar. O primeiro dia nunca me saiu da cabeça. Quando a condução
passou na esquina de casa, parecia que ia me levar para muito longe, senti as
lágrimas rolarem. Também foi só no primeiro dia! Passei a amar o colégio, as
colegas, os estudos e alguns mestres e
religiosas angélicas.
Na ocasião não tive consciência
da importância de ir pra aula na condução do colégio. O ônibus inicialmente,
depois uma camionete, andava pela cidade para apanhar outros alunos por lugares
que nunca tinha frequentado. Novos bairros, novas ruas, foram abrindo para mim
o horizonte da cidade e estimulando amizade com outras alunas que não apenas as
de minha turma. Usei a condução do colégio até o término do ginasial, já então
morando no casarão, Av. São Jerônimo 267, um quarteirão anterior à primeira
casa, de número 334. Ao cursar o pedagógico, única opção oferecida pelo colégio
das angélicas para o colegial, passei a ir em companhia de colegas que moravam
no mesmo quarteirão, entre Rui Barbosa e Benjamim Constant, e que tinham carro
e motorista, primeiramente com Abelina Vidueira Antonio José, alternando com as
irmãs Anete e Margarida Cruz. Agora já não fazíamos o passeio pela cidade, o
caminho era direto entre nossas casas na São Jerônimo e o Ginásio São Paulo, na
Serzedelo Corrêa.
Nossa turma era amiga e
estudiosa, tendo sido no primeiro ano do curso Normal acrescida de novas
alunas, moças carentes, que precisavam regularizar seu curso pedagógico para
exercerem a docência. As fotos em conjunto mostram na primeira a turma com
uniforme de diário na área de esportes e na segunda com o uniforme de gala no
dia da colação de normalista. Único dia em que o uniforme foi usado, já que o
colégio da Serzedelo encerrou suas atividades nesse ano, formando apenas uma
segunda turma de professoras normalistas. A unidade da Antonio Baena ampliou,
mais tarde, seu atendimento para crianças também de classe média e permanece
até hoje no mesmo local, com reconhecimento da qualidade de ensino.
Meus pais eram espíritas mas me
matricularam em um colégio administrados por irmãs católicas. Participava, como
as demais alunas, das aulas de religião, assistia as celebrações religiosas e
executava bordados nas aulas de trabalhos manuais em panos que iriam enfeitar a
capela do colégio. Mas havia certa reserva para comigo por parte de algumas das
religiosas. Certa feita, a que ensinava Religião chamou-me à parte e questionou
meu comportamento durante as aulas, que para ela era inadequado, pois achava
que eu ficava com um ar de dúvida, sorrindo, como quem não acreditava no que
ela dizia. Tomei um susto e fiquei magoada, pois fazia tudo para agradá-la,
inclusive bordando panos para capela. Nunca tive a intenção de fazer galhofa
com seus ensinamentos. Muito pelo contrário! A prova disso e que como tinha uma
memória prodigiosa, facilmente consegui me classificar para representar o
colégio no VI Congresso Eucarístico Nacional-CEN, obtendo o segundo lugar entre
os demais candidatos das escolas concorrentes em Belém. Perdi pontos por não
dominar o ritual da missa, que até então não frequentava. O VI CEN ocorreu na
Praça do Congresso, hoje Waldemar Henrique, entre os dias 15 a 21 de agosto de
1953, sendo um fato importante na história da cidade, a ser relembrado em 2016,
quando entre as comemorações do quarto centenário da cidade, ocorrerá o XVII
CEN, entre os dias 17 a 20 de agosto, agora com o tema “Eucaristia e Partilha
na Amazônia Missionária”, centrado principalmente no Estádio do Mangueirão.
Outro fato que denota o preconceito das
religiosas para comigo aconteceu quando já tendo concluído o pedagógico,
telefonei para uma das irmãs, a secretária, uma das que eu mais gostava, a fim
de solicitar a documentação para prestar vestibular na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade Federal do Pará, para o curso de Ciências
Sociais. Ela me respondeu: - pense bem, a gente não pode dar o que não tem.
Fiquei tão magoada que me afastei por completo do colégio, não mais procurando
as irmãs. Nem mesmo quando passei no vestibular ou quando poucos anos mais
tarde, em 1966, me batizei, após realizar vários encontros catequéticos com
Cônego Nelson, então pároco da Igreja de Santana.
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