Os Casarões da Minha
Vida
5. O quarteirão do
Casarão da São Jerônimo e meus inesquecíveis vizinhos
Poucos imóveis situados na Av. São Jerônimo, entre Rui Barbosa e
Benjamin Constant, na década de 1960, existem hoje. Deles destacam-se, no
quarteirão da nossa residência: o belo casarão da esquina com a Trav. Rui
Barbosa, onde hoje funciona o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN e anteriormente foi sede do Centro Cultural Brasil Estados
Unidos – CCBEU, residência da família de Otávio Mendonça, e na minha primeira
recordação sede de um partido político. Situava-se à esquerda de nossa casa; do
lado oposto, à direita, a casa da família Abrãao e Alfonsita Antônio José,
donos da Farmácia Sul Americana, com duas unidades, uma na Santo Antônio e
outra no início da Treze de Maio, ambas no comércio, e que resistiram até à
formação dos novos grupos que passaram a dominar o comércio farmacêutico em
Belém; mais próximo da Benjamim, alguns imóveis resistem, entre eles, o da
família Homci e de Abílio Velho, então um dos donos da Importadora de
Ferragens, no bairro do Reduto. No quarteirão em frente destacam-se: na esquina
com Benjamin, outro belo casarão, antes residência do Comando da Aeronáutica, e
funcionando hoje e com prédio perfeitamente preservado, uma outra unidade do
IPHAN; ao seu lado, o pensionato da primeira foto, existente até hoje, em que
moravam moças vindas do interior para estudar em Belém, muitas das quais nossas
amigas. Merece destaque o poste de ferro que animava o romper do ano novo com
suas batidas com instrumentos também de ferro. Alguns dos prédios que
desapareceram, como se para apagar capítulos da memória da cidade, estavam
neste perímetro da São Jerônimo. O pensionato do Padre Raul, quase na esquina
da Rui Barbosa, abrigou estudantes que viriam a ter destaque na história
política e social de Belém. Entre eles: Januário Guedes, Pedro Rumiê, Felix
Oliveira e Pedro Portugal. Ao lado, outro pensionato, cujo prédio foi mais
tarde residência da família Gurjão e depois da família dos Farazinhos que
aprontaram e contaram muitas estórias. Mas o prédio mais emblemático para
história política da juventude universitária de nossa cidade foi o de número
509, da União Acadêmica Paraense – UAP, derrubado em 1969 para dar lugar, junto
com outros imóveis, a um investimento hoteleiro, o Hotel Regente. Segundo
Isidoro Alves, em seu texto para o livro “1964. Relatos subversivos: os
estudantes e o golpe militar no Pará”, depois da UAP este prédio abrigou a
residência de um Comando Militar. Ficava vizinho à casa da família Antônio
José, ao lado da casa de meus pais que passou a ter o número 543, quando da
mudança de nome da Avenida para Governador José Malcher. Não interessava manter
viva a memória do movimento civil estudantil e tal como a sede da União
Nacional dos Estudantes – UNE, foi destruída fisicamente. A foto da Folha do Norte de 01/04/1964,
retirada de um artigo, publicado on line, “Um olhar à cidade de Belém sob o
Golpe de 1964: paisagens e memórias de estudantes e artistas”, de Raquel Cunha e Flávio Leonel, de 2008, trás a
seguinte legenda: “Desde as primeiras horas de ontem, com a notícia de que o
Seminário Estudantil se reuniria na sede da UAP, ali estiveram, até à noite,
elementos da Polícia. Na foto vemos o delegado Eimar Pantoja, com seus
auxiliares, em frente à sede do órgão dos universitários.”
Várias das cenas que se seguiram e que tão bem são descritas por vários
dos atores desta noite nos Relatos, assisti da janela de nossa casa. Como por
exemplo, a narrada por Pedro Galvão no capítulo “Vencidos Vencedores”:
“Vestidos de cuecas, sapatos e humilhação, eles procuravam manter a dignidade
ao caminhar pelo centro da avenida mal iluminada, sob o olhar perplexo dos
moradores nas janelas e da pequena multidão de estudantes e curiosos nas
calçadas, de um lado e outro da rua, a nossa São Jerônimo velha de guerra,
entre Ruy Barbosa e Benjamin Constant, justamente na quadra onde ficava a sede
da UAP ...” e a nossa casa.
Neta e filha de comerciante de classe média, não tinha, na época,
consciência política da importância e significado daquele momento. Só anos mais
tarde, com estudo e convivência com pessoas politicamente engajadas, fui
ampliando e clareando meu olhar e entendimento.
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