CIDADE, IDENTIDADE E TEMPORALIDADE
Auriléa Abelem
Avenida
São Jerônimo, entre as Travessas Rui Barbosa e Benjamin Constant. Com destaque
para o poste de ferro e as jovens mangueiras. Desconheço auto, foto retirada
internet
Bairro da Terra Firme,
um dos mais populosos da cidade. Foto retirada Google, Foto Terra Firme/
agencia divulga.
A cidade não é homogênea, ela reflete a estrutura da
sociedade, apresentando espaços fragmentados e segregados. Por outro lado,
esses espaços se articulam formando um todo que condiciona a vida em sociedade e
ao mesmo tempo lhe é reflexo, impondo e criando uma série de simbolismo que vão
desenhar imagens objetivas e subjetivas sobre a cidade, base para a construção
da identidade. Como
afirma Bader Sawia, identidade não é uma substância dada que se mantem ao longo
de sua existência, imutável e idêntica a si mesma. Ela está sendo sempre
reposta, ainda que a aparência seja de estabilidade. Ao falar de identidade
entra-se no campo dos processos de diferenciações, de choques de interesses e
de hierarquizações das distinções. Ao perguntar pela identidade da cidade,
deve-se ter em mente que ela não é apenas uma estrutura física, um conjunto de
ruas, prédios e praças. Ela contem uma subjetividade enquanto possuidora de uma
história, reflexo de desejos, carências, conflitos e ambiguidades. Há uma
interação, um encontro de identidades de homens/mulheres e de espaços. Espaços
esses construídos por relações sociais, constituídos de simbolismos que
apresentam significados diversos para as diferentes classes sociais, para as
diversas gerações. Não existe uma única leitura da cidade, até por que um mesmo
espaço urbano possui temporalidades diversas, territorialidades distintas.
Pensemos
nossa Praça da República, ilustrada nas duas últimas fotos. Podemos perceber
diferentes territorialidades, diferentes poderes exercidos no espaço da praça
em diferentes horários do dia e/ou em diferentes dias da semana: adultos e
idosos fazem Cooper pela manhã nos dias úteis, mas nos sábados e domingos a
praça é dos ambulantes e/ou feirantes com suas vendas de artesanato e
mercadorias importadas, enquanto as noites presenciam outros personagens a
desfilar na praça que passa a ser dos boêmios e outros personagens. O ritmo do
tempo também se apresenta diverso, o borborinho da feira, a ligeireza do andar
no Cooper, contrastam com o tempo lento da noite calma na espera do freguês ou
do efeito idílico do álcool.
A
cidade é vista e vivida de diferentes maneiras, seja pensando o passado, o
presente ou o futuro. A representação que se faz da cidade está intimamente
ligada à relação que os indivíduos tem com o espaço urbano, relação de moradia,
de trabalho, de lazer, de devoção. Tem a ver com o papel que a rua desempenha
nos seus folguedos de criança, com o namoro adolescente na praça, com a
agitação do trânsito para a escola ou para o trabalho, com o saudosismo das
cadeiras nas calçadas, com a chuva da tarde diminuindo o calor do dia, e mais
recentemente com a agitação e paquera no shopping center e nos bares da Doca.
Mas
a cidade é desigual, conforme observamos nas duas primeiras fotos. Ela possui
um espaço em que a cidadania é plenamente exercida, em alguns já há bastante
tempo, e outro em que ela inexiste. Inclusão e exclusão formam os extremos de
pertencimento à cidade. Ainda assim, o processo de exclusão e segregação social
que é refletido na existência dual da cidade não impede que se dê o processo de
inclusão e que mesmo os despossuídos idealizem seus desejos sobre o prazer de
morar na cidade bela, bem servida de infraestrutura, ainda que pouco usufruam
de seus serviços. Essa inclusão através da participação imaginária permite aos
excluídos se organizarem e lutarem por seus direitos, apresentando
reivindicações a serem apreciadas e trabalhadas na pauta de decisões políticas
para a cidade. Luta também desigual, já que o acesso à pauta passa por um
sistema de filtro, próprio do processo de decisão política que continua sendo
hierárquico.
No
imaginário, portanto, a representação da cidade se faz de acordo com os
interesses, vivências e desejos das diferentes classes, dos diferentes gêneros,
das diversas gerações.
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