quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Cidade, Identidade e Temporalidade


CIDADE, IDENTIDADE E TEMPORALIDADE

                                                                                Auriléa Abelem



Avenida São Jerônimo, entre as Travessas Rui Barbosa e Benjamin Constant. Com destaque para o poste de ferro e as jovens mangueiras. Desconheço auto, foto retirada internet
Bairro da Terra Firme, um dos mais populosos da cidade. Foto retirada Google, Foto Terra Firme/ agencia divulga.



A cidade não é homogênea, ela reflete a estrutura da sociedade, apresentando espaços fragmentados e segregados. Por outro lado, esses espaços se articulam formando um todo que condiciona a vida em sociedade e ao mesmo tempo lhe é reflexo, impondo e criando uma série de simbolismo que vão desenhar imagens objetivas e subjetivas sobre a cidade, base para a construção da identidade. Como afirma Bader Sawia, identidade não é uma substância dada que se mantem ao longo de sua existência, imutável e idêntica a si mesma. Ela está sendo sempre reposta, ainda que a aparência seja de estabilidade. Ao falar de identidade entra-se no campo dos processos de diferenciações, de choques de interesses e de hierarquizações das distinções. Ao perguntar pela identidade da cidade, deve-se ter em mente que ela não é apenas uma estrutura física, um conjunto de ruas, prédios e praças. Ela contem uma subjetividade enquanto possuidora de uma história, reflexo de desejos, carências, conflitos e ambiguidades. Há uma interação, um encontro de identidades de homens/mulheres e de espaços. Espaços esses construídos por relações sociais, constituídos de simbolismos que apresentam significados diversos para as diferentes classes sociais, para as diversas gerações. Não existe uma única leitura da cidade, até por que um mesmo espaço urbano possui temporalidades diversas, territorialidades distintas.

Pensemos nossa Praça da República, ilustrada nas duas últimas fotos. Podemos perceber diferentes territorialidades, diferentes poderes exercidos no espaço da praça em diferentes horários do dia e/ou em diferentes dias da semana: adultos e idosos fazem Cooper pela manhã nos dias úteis, mas nos sábados e domingos a praça é dos ambulantes e/ou feirantes com suas vendas de artesanato e mercadorias importadas, enquanto as noites presenciam outros personagens a desfilar na praça que passa a ser dos boêmios e outros personagens. O ritmo do tempo também se apresenta diverso, o borborinho da feira, a ligeireza do andar no Cooper, contrastam com o tempo lento da noite calma na espera do freguês ou do efeito idílico do álcool.

A cidade é vista e vivida de diferentes maneiras, seja pensando o passado, o presente ou o futuro. A representação que se faz da cidade está intimamente ligada à relação que os indivíduos tem com o espaço urbano, relação de moradia, de trabalho, de lazer, de devoção. Tem a ver com o papel que a rua desempenha nos seus folguedos de criança, com o namoro adolescente na praça, com a agitação do trânsito para a escola ou para o trabalho, com o saudosismo das cadeiras nas calçadas, com a chuva da tarde diminuindo o calor do dia, e mais recentemente com a agitação e paquera no shopping center e nos bares da Doca.
Mas a cidade é desigual, conforme observamos nas duas primeiras fotos. Ela possui um espaço em que a cidadania é plenamente exercida, em alguns já há bastante tempo, e outro em que ela inexiste. Inclusão e exclusão formam os extremos de pertencimento à cidade. Ainda assim, o processo de exclusão e segregação social que é refletido na existência dual da cidade não impede que se dê o processo de inclusão e que mesmo os despossuídos idealizem seus desejos sobre o prazer de morar na cidade bela, bem servida de infraestrutura, ainda que pouco usufruam de seus serviços. Essa inclusão através da participação imaginária permite aos excluídos se organizarem e lutarem por seus direitos, apresentando reivindicações a serem apreciadas e trabalhadas na pauta de decisões políticas para a cidade. Luta também desigual, já que o acesso à pauta passa por um sistema de filtro, próprio do processo de decisão política que continua sendo hierárquico.
No imaginário, portanto, a representação da cidade se faz de acordo com os interesses, vivências e desejos das diferentes classes, dos diferentes gêneros, das diversas gerações.


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