segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O CARNAVAL NO TEMPO DOS CASARÕES


Faz tempo que havia decidido voltar a escrever em meu blog, memoriaabelem.blogspost.com, mas algo me tolhia. Não sei dizer bem o que, decepção com o mundo da política e seu reflexo em amigos e parentes, partida de amigos queridos, constatação das contradições que temos a enfrentar na vida ... O Carnaval me estimulou e me inspirou! Sempre foi assim ... Eis-me de volta!
De repente me vejo iniciando os anos vinte do século XXI. Tinha dúvidas se chegaria até aqui. É época de carnaval, chove lá fora. De longe ouço a música da Escola de Samba Quem São Eles, vizinha ao meu prédio no Umarizal. Viajo no tempo! Amo as chuvas de Belém! Elas me levam ao passado, da infância à idade adulta, à casa de meus pais, ao início das aulas e, principalmente, ao carnaval dessa época.
Época em que o carnaval de rua acontecia em diversos bairros, mas o corso de concentrava no "Largo da Pólvora" onde carros ornamentados, conversíveis e caminhões, e blocos irreverentes desfilavam para prazer de uma plateia que se concentrava nos quarteirões do Largo, principalmente em torno do Bardo Parque, no calçadão do Grande Hotel e nas janelas e terrasses de Clubes Sociais, como Assembleia Paraense e Tuna Luso Comercial.
Na caixa de documentos deixada por minha sogra, Emília Zaluth Abelem, encontramos duas páginas da revista "Vida Doméstica", de 1934, que bem retrata o que estou narrando. Uma delas mostra vários flagrantes do carnaval de rua no Largo - carros conduzindo crianças, adolescentes ou toda a família, fantasiados; os espectadores no terasse do Grande Hotel ou nas calçadas, sob o túnel de mangueiras ou próximos ao Bar do Parque; os mascarados, muitas vezes homens fantasiados de mulher, desfilavam pelas calçadas ou no meio da rua entre os carros conversíveis.
O link https:ufpadoispontozero.wordpress.com2013/02/08/o-carnaval-de-belem-nos-anos-50-por-antonio-paul-albuquerque/ nos remete diretamente a este tempo, acompanhado em seguida por uma entrevista de Alfredo Oliveira que comenta o vídeo. Ao concluir sua entrevista, Alfredo afirma: "A tristeza da insegurança acaba com a alegria da folia". É uma pena! Tempos e costumes que não voltam mais! Ficaram em nossas lembranças e nos registros memorialísticos feitos!
Revista Vida Doméstica, abril/1934. Arquivo família Abelem.
Mas na década de cinquenta, e ainda na de 60, a alegria do carnaval não se resumia ao Largo da Pólvora. Da janela de nossas casas, podíamos nos alegrar ou assustar ao ver os mascarados passarem com suas irreverências e brincadeiras. Exemplo é o "Dr. Passa o Pau" da "Clínica Morra Sorrindo", retratado na imagem ao lado que encontrei na internet.
Lembro que na década de cinquenta o corso carnavalesco ainda se dava no Largo da Pólvora. E nós dele participávamos. Meu pai reunia os filhos, irmãos, cunhados, sobrinhos, vizinhos e amigos e organizava nossa saída no caminhão da firma Ferreira Gomes Ferragista S/A., fundada por seu avô Rafael Fernandes de Oliveira Gomes, em 1881. Não precisávamos de fantasias! Íamos dançar, cantar e participar da alegria que era desfilar no Largo da Pólvora, jogando confete e serpentina e esguichando lança-perfume. Antônio Jorge Abelem, meu falecido marido, contava que nessa época, ele e um grupo de amigos saiam do Ed. Manoel Pinto da Silva, onde um deles tinha apartamento, de cueca, apenas enrolados em um lençol e fantasiados de Nero iam brincar e dançar no Largo da Pólvora.
A outra página da Revista Vida Doméstica encontrada mostra flagrantes das festas nos Clubes Sociais da época - Palácio Theatro, que funcionava no Grande Hotel, Clube do Remo, Brasil S.C. e Syrio Sport Clube. Bailes infantis e de adultos com muita fantasia e blocos alegres, criativos e de muita elegância. Curioso que na última foto, da Diretoria do Syrio Sport Club, ao digitar estas linhas reconheci meu sogro, Jorge Abelem, que não cheguei a conhecer, pois faleceu quando seu filho, Antônio Jorge, tinha apenas 19 anos.
Revista Vida Doméstica, abril/1934. Arquivo família Abelem.

Em 1960, com dezesseis anos, fui ao meu primeiro baile de carnaval de salão. Não sei dizer a razão do baile da Assembleia Paraense ser sido realizado no Teatro da Paz, nesse ano. Minha tia Ceci, irmã de meu avô paterno, foi a responsável pela criação e confecção do figurino  do bloco, "Os Canibais", ajudada pelas moças que compunham o bloco na confecção das máscaras e adereços. A alegria começava, portanto, desde os preparativos das fantasias, na ampla sala do belo casarão onde morava a família dos tios Ceci e Aled Parry, na esquina da Travessa Benjamin Constant com a Boaventura da Silva, infelizmente já demolida. Casa que traz belas recordações, pois nela nos reuníamos com frequência para dançar, no pátio dos fundos, ao som de um toca-discos, tudo comandado e selecionado pelo dono da casa, Tio Aled, que era exímio dançarino. Lá também fazíamos muitas vezes ensaios de quadrilha junina, formada em sua maioria por colegas do Colégio São Paulo, onde eu e May, minha prima e filha do casal Parry, estudávamos. A foto a seguir mostra o bloco "Os Canibais" na escadaria do Teatro da Paz.





1960 - O Bloco Os Canibais no Baile de Máscara da AP no Teatro da Paz

Além do baile e festas de Carnaval da Assembleia Paraense era frequente irmos às festas do Clube do Remo e do Pará Clube, clubes que meu pai era sócio ou passou a sê-lo para nos levar às festas, após eu ter completado 15 anos. Também não faltávamos às festas no Círculo Militar, no Forte do Castelo.

1966 - Auriléa e Aurilena Ramos Gomes com amigos



Como podem ver aprendi a amar e curtir o carnaval desde criança, com meu pai e amigos. No início da década de 60 criamos um clube com vizinhos da Av. São Jerônimo e colegas do colégio São Paulo., "Clube Eles e Elas". Através dele brincamos muito o carnaval, as festas juninas e as de fins de semana em residências alternadas. Era um grupo coeso e muito amigo. Lembro de dois blocos formados por associados e alguns de seus pais: um de Palhaço e outro de Pierrô. Tempos inesquecíveis!
Em  julho de 1968 casei com Antônio Jorge Abelem, outro amante do carnaval. Além de nossas festas e bailes nos clubes, com ele cheguei a sair no bloco de rua do Bairro do Reduto, "O Seca Boteco", que se concentrava no Mercado do Reduto , então existente às margens do Canal do Igarapé das Almas. Abelém, Payssandu de coração, se tornou sócio do Clube do Remo, e também da Assembleia Paraense, para poder ter acesso às festas que eu ia com meu pai, em nossa época de namoro.

1970, Auriléa e Antônio Abelem, no Baiale do Pierrô, no Clube do Remo.
Foto do arquivo da família Abelem


O Casarão da 28 de setembro, no Bairro do Reduto onde moramos por 41 anos, foi palco de muitos preparativos que antecipavam a ida aos bailes. Na foto abaixo apresento dois registros da reunião de 1973, antes do Baile do Hawaí, no Yate Clube.



Eu e Antônio Abelem tínhamos um pacto carnavalesco, lógico que inventado por ele! Durante o carnaval ele saía um dia sozinho para brincar na Praça. E assim foi, enquanto teve saúde. Não esqueço que certo dia de carnaval chegou em nossa casa para almoçar um de seus amigos, acompanhado de uma moça desconhecida. Depois do almoço ele se propôs a ir para a Praça com o casal. Como achei ruim, o casal foi embora e ele, aborrecido, ficou. Resolveu depois ir sozinho para o Bar do Parque, onde encontrou seu amigo, o poeta Ruy Barata, que lhe perguntou o motivo do mal humor. Explicado o motivo, Ruy lhe retrucou: "É Abelem! O pior casamento é aquele que dá certo!"
E assim foi, até seu falecimento em 23 de fevereiro de 2009, em uma segunda-feira gorda, quando partiu para o mundo espiritual.
Marcas de alegria, saudades, nostalgia e tristeza dos carnavais de minha vida, no tempo dos Casarões.