“Quando escrevo, escrevo por um
impulso interior que me vem do insondável que cada um de nós trás consigo. Mas
uma coisa eu digo a você: ontem nós falamos nas pessoas que ainda estão
voltadas para o passado. E eu digo a você: não há ninguém que não faça sua
volta ao passado ao escrever. Nós todos fazemos. Nós todos pertencemos ao
passado. Todos nós. Queira ou não queira. É de uma forma instintiva. Nós todos
estamos ligados muito mais aos nossos avós do que aos nossos pais.”
- In: Cora Política Coralina, 1984.
Rafael Fernandes de Oliveira Gomes |
Ao sentir a necessidade de abrir meu porão de lembranças
confirmei, não sem surpresa, o que já afirmava Cora Coralina, nossa ligação
intensa a nossos avós. Mais surpresa fiquei ao constatar nossas ligações com o
Bairro do Reduto. Na verdade, foi o querer descobrir e deixar registrada essa
ligação, marcada em minhas recordações pela esquina da Rua 28 de setembro com a
Travessa Benjamin Constant que me conduziu ao processo de descoberta.
Pesquisando informações sobre a família nos registros de casamento arquivados
no Centro de Memória da Amazônia, tive revelada uma grata surpresa. Meu avô
paterno, Rafael Fernandes de Oliveira Gomes residia na Rua 28 de setembro ao
casar com minha avó, Aurea Bayma, de Mendonça Gomes, em 27 de maio de 1916.
Aurea e Rafael Fernandes de Oliveira Gomes |
Minhas ligações com o Bairro do Reduto eram mais intensas do
que eu imaginava! Não apenas por esse fato, mas ainda pela constatação nos Registro
da Paroquia de Sant’Anna, às fls. 45, que aos dez dias do mês de julho de mil
oitocentos e noventa e dois, foi batizado Raphael, filho legitimo de Raphael
Fernandes Gomes e Raimunda Cantidiana d’Oliveira Gomes, nascido em primeiro de
setembro de mil oitocentos e noventa e um. A mesma Paróquia em que anos mais
tarde, eu já com 18 anos optei por batizar-me, desconhecendo esta história.
Pesquisando na Internet consegui saber através do Diário
Oficial da União (DOU) de 24/08/1940, em sua página 18, Seção I, que meu bisavô,
Rafael Fernandes Ferreira Gomes era natural de Portugal e havia nascido em 12
de outubro de 1861, filho de Manuel Fernandes Gomes e de Custódia Maria de
Jesus. Estava resolvida a primeira questão que motivou minha decisão de
escrever a história da família através de minhas lembranças e pesquisas
possíveis, o desconhecimento do nome de meu bisavô paterno. Não apenas pela
história da família, mas, e principalmente, pela sua ligação com a história do
Bairro do Reduto e com a história da cidade de Belém. De acordo com a
legislação vigente na época, o DOU declarava entre outras pessoas, meu bisavô
Rafael Fernandes Ferreira Gomes, como cidadão brasileiro. Ele faleceu quatro
anos depois, 1944, De seu primeiro casamento, com
Raimunda Cantidiana, nasceram meu avô Rafael e os tios Mimi, Santa e Valdemiro
e do segundo, com Mariana, as tias Ceci e Lourdes.
Meus avós, Aurea e Rafael tiveram sete filhos: Carlito, Maria
Heliete, Pedro José, Raimunda Alice, Rafael Mário, Aurea Celeste, José Fernandes,
Adriano Jorge. Não conheci os dois primeiros, já tinham falecido quando nasci.
Vou me deter na figura de meu avós, deixo para um próximo texto o casarão de
Nazaré, sua magia e nostalgia.
De acordo com depoimento da tia Celeste, seu pai, Rafael observava
Aurea no caminho em direção à Escola Normal e um belo dia lhe entrega uma carta
declarando seu amor e pedindo o namoro. Casaram em 1916. Com pouco estudo,
minha avó Aurea tinha o dom da escrita, enviava aos filhos e netos cartas
primorosas de amor, e de dor algumas delas. Foi companheira amorosa de meu avô
que no meio de seu caminhar, provavelmente no final década de vinte, aderiu ao
espiritismo, dedicando-se a seu estudo, sendo um dos fundadores da União Espírita
Paraense, que chegou a presidir. Desenvolveu um profícuo trabalho divulgando a
doutrina espírita e trabalhando em prol dos desassistidos e hansenianos dos
leprosários do Prata e de Marituba. Atuou no comércio, seguindo a carreira de
seu pai na empresa Ferreira Gomes Ferragista S/A, foi vereador em Belém,
Diretor do Banco do Estado do Pará e Diretor da Seguradora Aliança Comercial.
Minha avó garantia em casa a tranquilidade da família que além de seus filhos,
agregava os três netos, Rafael Luiz, João Lino e Pedro Malaquias, filhos de sua
filha mais velha precocemente falecida. Para esta garantia, a companhia sempre
presente de sua amiga e acompanhante, conhecida entre nós como Ciloca. Sempre
achei curioso que quando era preciso chamar atenção dos filhos mais novos ou
dos netos, meu pai, Pedro José, na qualidade de filho mais velho era acionado.
Este fato criava certa animosidade entre os irmãos e tios e sobrinhos mais
garantia a tranquilidade para meu avô seguir seu trabalho junto aos desvalidos.
Nunca soube de quem partia a convocação para meu pai intervir, mas desconfio
fortemente que era minha avó que se socorria do filho e resguardava a figura do
marido. Eu ainda criança acompanhei meu pai várias vezes ao seu ritual de diariamente tomar
o café da manhã na casa de meus avós, após sua saída de casa para o casamento.
Com o decorrer dos anos e os desencontros da vida este costume foi se rareando.
Meu pai, Pedro Gomes em uma abraço emocionado em sua mãe, avó Aurea, sob olhar atento e também emocionado do avô Rafael. |
“Meus queridos: Vos deixo a minha Paz e as
minhas bênçãos. Durante toda a minha vida sempre vos aconselhei à compreensão e
a harmonia entre todos. Não fui atendido. Agora, próximo da partida para
espiritualidade, vos venho pedir ainda uma vez para que procurem viver amigos
uns dos outros, já que estão envelhecendo e por isso mesmo mais sensatos. Este
documento não é um documento vulgar, é uma mensagem derradeira que espero
sabereis respeitar e receber tranquilamente e com serenidade por em prática. Todos
os bens que recebi de Deus, na distribuição santificada de Sua Misericórdia,
deixo para vocês, desde o dia em que vossa Mãe partir para a espiritualidade. Não
faço partilhas temendo cometer injustiças e insatisfações de vossa parte. Espero
que vocês mesmos saibam repartir criteriosamente. De uma coisa entretanto faço
questão absoluta: não esquecerem jamais os bons conselhos que sempre vos dei e
procurar seguir a vida de trabalho e honradez que procurei vos dar testemunho e
que é a minha verdadeira herança.”
Claro que não foi fácil, muito desentendimento rolou.
Família grande e casando três de seus membros com outros três da família Ramos
nem sempre conseguiu seguir a orientação indicada.
Avô Rafael faleceu em sete de fevereiro de 1979.
O Jornal O Liberal de 09 de fevereiro de 1979 publica a notícia do falecimento
de meu avô sob a manchete: Fundador da União dos Espíritas foi sepultado:
Fundador da União dos Espíritas foi sepultado, foto
publicada no jornal “O Liberal” de 09/02/1979.
|
”Falecido na última
terça-feira, aos 88 anos de idade, foi sepultado ontem na necrópole de Santa
Izabel, o Sr. Rafael Fernandes de Oliveira Gomes, um dos fundadores da União
Espírita Paraense e que se tornou conhecido de todo o povo paraense através do
programa radiofônico “A Voz da Terceira Revelação” que ultimamente era levado
ao ar todos os domingos às 11h15min horas pela Rádio Clube do Pará. Espírita
por vocação, Rafael Gomes, como era chamado entre a comunidade espírita do Pará
teve seus funerais acompanhado por um elevado número de pessoas, tendo seu
corpo sido velado na residência da família enlutada, à Avenida Serzedelo
Correa, de onde saiu o féretro.
Reconhecido como
médium curador e que tinha como protetores os espíritos dos médicos Bezerra de
Menezes e Camilo Salgado, cujo túmulo no Cemitério de Santa Izabel é
diariamente visitado, por dezenas de pessoas, Rafael Gomes, além de fundador da
União Espírita Paraense, que foi presidente, fundou também nesta capital o
Centro Espírita da Assembleia de Jesus, na Tavares Bastos e no início de suas
atividades doutrinárias, foi membro do Grupo Espírita Rostaing, já extinto.
Campanhas de fraternidade, de amparo à pobreza desamparada e de assistência aos
hansenianos do Prata e de Marituba, marcaram a passagem de Rafael Gomes à
frente da União Espírita Paraense e centenas de
curas foram atribuídas ao poder de mediunidade da qual era possuidor.
Milton
Mendonça, Afonso Monteiro, Lopo de Castro, Fernando Baía, se misturavam entre
as dezenas de espíritas, políticos, e pessoas do povo que acompanharam os
restos mortais de Rafael até o túmulo da família, numa cerimônia constante de
preces espíritas. Rafael Mário, seu filho, se destacava entre os membros da
família Oliveira Gomes que além de perder o chefe, perdeu aquele que era tido
como líder espiritual religioso de muitos paraenses. Durante as exéquias, foram
apresentadas várias preces de Divaldo Franco, conhecido espírita brasileiro,
através de gravações.
Minha avó, a partir daí viveu esperando o momento do
reencontro. Faleceu anos depois, em um 12 de junho, dia dos namorados. Tinha
escolhido todos os detalhes de seu enterro, inclusive o buquê de violetas para
levar em suas mãos.
Parabéns Aurileia Gomes por escrever esse poste contando um pouco da história da nossa família Gomes. Sou neto do Rafael Gomes, filho do Silvio Gomes. Ass. Ronaldo Gomes.
ResponderExcluirOi Ronaldo Gomes, prazer! Que bom que você gostou. Pena os primos terem ficado tão distantes. Quem sabe um dia conseguimos reunir e recolher pedaços/retalhos de nossa(s) história(s). Um abraço.
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