terça-feira, 9 de novembro de 2021

RAFAEL FERNANDES E A FIRMA FERREIRA GOMES

 


Rafael Fernandes Ferreira Gomes

 
   Celebração dos oitenta anos de Rafael FF Gomes em 1941. 
Fotos do arquivo da família Gomes Parry.


Minha ligação com o Bairro do Reduto extrapola os 41 anos em que aí morei e relaciona-se à figura de meu bisavô que não cheguei a conhecer, pois faleceu no ano em que nasci.

Rafael Fernandes Ferreira Gomes, migrante português, nasceu em Ribeiradio, Beira Alta, Portugal, em 12 de outubro de 1861. Filho de Manoel Fernandes Gomes Junior e Custódia Maria de Jesus Gomes, chegou ao Pará com 13 anos e ainda criança iniciou atividades no comércio paraense. Da condição de empregado, rapidamente passou a de patrão em função de sua dedicação ao trabalho e reconhecida honestidade, conforme reportagem do Jornal “Estado do Pará”[1].

Viveu a maior parte de sua vida no Brasil, onde constituiu família e cresceu profissionalmente, tendo obtido o título de cidadão brasileiro. De seu primeiro casamento, com Raimunda Cantidiana de Oliveira Gomes, teve seis filhos, quatro mulheres e dois homens, e do segundo, com Mariana Ferreira Lopes Gomes, nasceram três filhas. Ainda que apaixonado pelo Brasil, retornava com frequência à sua terra natal, mas foi no Pará, particularmente em Belém, que deixou sua marca de empreendedor, desenvolvendo atividades em vários setores: Diretor-Presidente do Banco do Pará e Diretor da Companhia de Seguros Comercial do Pará, cargos que exerceu até ser obrigado a viajar para o Rio de Janeiro em 18 de outubro de 1944, por motivo de doença, onde veio a falecer meses depois, em 26 de dezembro.

A principal marca de seu empreendedorismo foi na organização e chefia da sociedade comercial Ferreira Gomes & Cia, que sucedeu à firma Centro Comercial Redutoense. Situada na Rua 28 de setembro, entre a Doca do Reduto e a Rua Benjamin Constant, seu primeiro registro na JUCEPA data de 1881. Em 1924 é recomposta, transformada em sociedade anônima – Ferreira Gomes Ferragista S/A – explorando os ramos de ferragens, ferro, louça, estância de madeira e outros já existentes. Ocupava vários prédios na Rua 28 de setembro, não só o da matriz mostrado na foto, com uma filial na Rua João Alfredo, chamada RIOMAR. Além do comércio, desenvolviam indústria de fabricação de pregos e outras correlatas, sob a denominação de União Fabril Comercial, situada na Trav. Piedade, sob os números de 1 a 9, e indústrias de madeiras e outras, como a Serraria Benfica, à estrada de Ferro Bragança, ramal de Benfica conforme registro na Junta Comercial do Pará – JUCEPA.

  

Foto da Família Gomes


 A firma Ferreira Gomes Ferragista S/A era uma potência e dominava o comércio do seu ramo no Bairro e, por que não dizer, na cidade. O prédio da matriz ocupava toda a quadra na Rua 28 de setembro, entre a Travessa Benjamin Constant e a Doca do Reduto. No início da década de 60 começaram as dificuldades, sendo a falência decretada em 1965, último ano com registro na JUCEPA. Funcionou, portanto, 84 anos. A empresa Madeira do Pará S/A – MAPASA – quando comprou o imóvel, alguns anos depois, já encontrou a frente demolida, utilizando então o terreno para estacionamento da firma. Hoje a quadra é ocupada por um posto de gasolina às margens do Canal do Reduto, pouco restando dessa história na memória de antigos moradores.

 



[1] Jornal que durou de 1911 a 1980 e apresentou grande importância na formação e consolidação da mídia impressa no Pará conforme Carvalho, Vanessa Brasil de, “A Ciência na Imprensa Paraense em 130 Anos: um estudo de três grandes jornais diários” em sua Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, UFPA/ILC/PPGCCA, 2013.

Cidade, Identidade e Memória

 

 



Doca do Reduto em 1905, vista a partir da Rua dos Mártires (hoje 28 de Setembro)[*]

 

Venho do século XX! Não só de vivência, como de ler e ouvir contar histórias e fatos, até mais recuados no tempo! Não me prendo ao passado, mas a ele sempre recorro para entender o contexto atual e prever seus reflexos futuros. Claro que às vezes somos surpreendidos por novidades inesperadas, fatos políticos, descobertas científicas e tecnológicas, cura de doenças e incidência de novas que mudam o curso dos acontecimentos, renovando e atualizando nosso olhar e confirmando que as águas do rio que passam nunca serão as mesmas, nem nós.

Em agosto de 2019, espantou-me o fato de uma apresentadora de TV ao me entrevistar sobre o bairro em que morei mais de quarenta anos, não soubesse onde ficava a Doca do Reduto. Na verdade, não só ela, a grande maioria dos moradores da cidade desconhece ou esqueceu onde fica e a importância que teve na história da cidade, o antigo Igarapé, hoje Doca do Reduto. Pensam que o bairro possui apenas uma Doca, a de Souza Franco, que limita o Reduto com o Umarizal e que apresenta maior visibilidade na cidade, pelo tipo de urbanização e investimentos que recebeu e infraestrutura que oferece, muito embora o Canal do Reduto preserve mais elementos do passado que o Canal da Visconde de Souza Franco, talvez até por isso mesmo. O abandono, como ao que foi relegado o Reduto, contraditoriamente permite a permanência! Mas, dificilmente você, ao passar hoje pela Avenida General Magalhães, consiga imaginar a beleza que ela ostentava em 1905, como a foto acima comprova!

O que impõe a reflexão sobre a necessidade de conhecer o mecanismo de formação da memória e do esquecimento para preservação de nosso patrimônio cultural e da história de nossa cidade e que aponta para a responsabilidade de gestores, educadores, instituições, e nossa individualmente, de transmitir e registrar fatos vividos ou herdados. Memória individual e coletiva que precisa ser cuidada para garantir a construção de redes identitárias e que incluam também o resgate de memórias subterrâneas, resultado do olhar e registro dos fatos relacionados à população mais vulnerável. Como se fortalece ou não o sentimento de identidade e de pertencimento de uma sociedade? Como podemos perceber a ressignificação de nossas lembranças no presente? Como contribuir para estimular e preservar o amor pela cidade, sem descuidar da formação de uma cidade voltada para o futuro, quem sabe dentro dos padrões das CHICS – Cidades, Históricas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis?

Já há algum tempo venho me preocupando em escrever e resgatar um pouco dessa história vivida e/ou conhecida. Por exemplo, a relação que possa ter minha vivência e de meus antepassados com a história da cidade. Na adolescência e juventude, mesmo no início da idade adulta, não temos esse tipo de preocupação que só aparece com a maturidade que ganhamos com o avanço da idade. Quando percebemos que pouco tempo nos resta, quando temos essa chance de percepção, e que precisamos fazer os registros que hoje cobramos de nossos pais e avós não o terem feitos. Quando verificamos que o ambiente que emoldurou e teceu a história de nossos pais e avós e de nossa infância é muito diverso do que emoldura e tece a vivência de nossos filhos e netos e de nossa velhice. A proposta é usar este espaço para contribuir com essa construção!

 

 



[*] In Orico, Osvaldo, Da Forja à Academia, Memórias dum Filho de Ferreiro. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpyo Editora 1956, p.110.

Nota: Texto originalmente escrito para a revista VI Amazônia,