Grande é a honra de ingressar no quadro de sócio
efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Honra maior pela distinção
de fundadora da cadeira no 44, cujo patrono é Roberto Araújo de
Oliveira Santos.
Honraria que me remete ao tempo de estudante em que, como
aluna do curso de Ciências Sociais, conheci e passei a admirar o prof. Roberto
Santos que ministrava disciplinas de Economia. Em outubro de 1964, a Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras comemorou seu primeiro decênio com uma
programação de painéis. Designada para colaborar no painel sobre “Alguns
Problemas do Crescimento de Belém”, ainda que apenas apresentando o álbum
seriado como apoio à fala de Roberto, longe estava de supor que provavelmente
aí iniciasse meu interesse e fascínio pelos estudos urbanos, desenvolvidos mais
tarde na pós-graduação. Em 1966, indicamos Roberto Santos para ser homenageado
como paraninfo da turma de C. Sociais que concluía seus estudos. A foto do
convite para minha posse no IHGP registra este dia.
Ingressei, através de concurso público, no magistério
superior da UFPA, após ter trabalhado por oito anos no Instituto do
Desenvolvimento Econômico e Social do Pará – IDESP, onde Roberto Santos também
foi protagonista. No IDESP, como assessora de Amilcar Tupiassu, participei da
equipe de coordenação do Convênio SERFHAU/IDESP para elaboração de Relatórios
Integrados de Planejamento Urbano de sete municípios paraenses, e da implantação
do embrião do Sistema de Planejamento Estadual, fazendo parte da equipe de
coordenação que implantou as Unidades de Planejamento nos órgãos de
administração direta e indireta do Estado. Já na condição de professora
concursada da UFPA, cursei o mestrado em Planejamento do Desenvolvimento –
Plades, que depois cheguei a coordenar. Roberto Santos fazia parte do quadro de
magistério do Núcleo. Em várias ocasiões, portanto, seja como aluna, como
técnica, como professora e amiga, tive a grata satisfação de conviver com ele.
Meu caminho profissional
foi entrelaçado de teoria e prática que permitiram percorrê-lo focada em
pesquisa, planejamento e avaliação de políticas públicas urbanas, em que as
noções de espaço e tempo são fundamentais. Espaço e tempo que me retornam à
figura de Roberto Santos. Nascido em dezembro de 1932, faleceu em 24/06/2012,
deixando vasta contribuição para entendimento das relações sociais e de
trabalho no Brasil e particularmente na Amazônia. Versátil, com visão multi e
interdisciplinar dos problemas sociais, sempre se destacou nos caminhos que
trilhou, seja na condição de estudante secundarista ou universitário, seja como
profissional, costurando com desenvoltura várias áreas do conhecimento, do
Direito à Economia, passando pela Sociologia e História.
De acordo com o Prof. Orlando Silva[2],
com o qual passou a desenvolver estreita amizade a partir de 1944, Roberto se
destacava dentre os melhores alunos no Ginásio do Colégio do Carmo e depois no
Curso Clássico do Colégio Estadual Paes de Carvalho.
Bacharel em Direito, turma de 1955, exerceu com brilhantismo
a advocacia até 1963, quando então ingressou por concurso público na
magistratura da Justiça do Trabalho, classificado em primeiro lugar. Antes
disso, participou da Comissão de Planejamento da
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia-SPVEA,
presidindo em 1961, a Subcomissão de Desenvolvimento Cultural.
Nomeado Juiz
Presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Capanema, lá permaneceu até
1967, quando foi removido para a 2ª. JCJ de Belém. Em 1968 foi promovido por
merecimento a Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª. Região,
assumindo a vice-presidência no biênio 1980/1982. Presidente do TRT, no biênio
seguinte, “teve uma das mais brilhantes carreiras na magistratura trabalhista
brasileira”[3],
chegando à Vice-Presidência da Associação Nacional de Juízes da Justiça do
Trabalho. Segundo seus companheiros de toga, uma de suas maiores obras enquanto
Presidente do TRT-8 foi a realização do Curso de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados, inspirado na Escola Nacional da Magistratura da França, em nível
de especialização e em convênio com a UFPA.[4]
A primeira turma em 1984 pode ser considerada, segundo o Desembargador Vicente
Malheiros da Fonseca, o embrião da Escola Judicial, imprescindível para a formação
e o aperfeiçoamento dos magistrados, implantada no Brasil vinte anos depois, com
a Emenda constitucional de no 45/2004 que dispõe sobre a Reforma do
Poder Judiciário.
Roberto Santos dá destaque especial a um item em seu
currículo, por ocasião de sua candidatura a sócio efetivo do IHGP, em 1991, quando
assumiu a cadeira no 2, em substituição a Arthur Napoleão
Figueiredo, cujo patrono é Alexandre Rodrigues Ferreira. Diz respeito ao seu
célebre despacho que iniciou o processo de recuperação da Instituição Santa
Casa de Misericórdia do Pará e seu filantrópico hospital, publicado na mais
prestigiosa revista de Direito do Trabalho do Brasil[5].
Declara Roberto que depois de resumir a decisão que avocou centenas de
reclamações trabalhistas, decretou a penhora geral da instituição e nomeou uma
comissão de depositários administradores para salvar a entidade, mas sem
prejuízo dos trabalhadores, o editorial da revista comenta:
“... elevado
alcance social daquele brilhante despacho, cuja orientação deverá ser seguida
em casos análogos e que devem estar acontecendo, com muita frequência,
principalmente com as entidades filantrópicas, espalhadas por todo o território
nacional ...”
“Parabéns ao eminente
Presidente (...) por sua corajosa e brilhante atuação. Que a semente por ele
plantada germine, aqui e acolá, pois atitudes como esta, se mais frequentes,
ajudarão a repor o Judiciário no lugar de destaque que merece. ” (Comentário mais do que nunca
pertinente para os dias de hoje).
Roberto ressalva ainda que a administração nomeada para o
hospital e acompanhada por ele logrou superar a crise. O saneamento da
instituição foi considerado concluído em 1984.
Seu currículo registra outras distinções e prêmios recebidos:
- Medalha Comemorativa do I Centenário de Nascimento do Dr.
Augusto Montenegro, Faculdade de Direito da UFPA, pelos relevantes serviços
prestados ao ensino superior, Belém, 1967;
-Ingresso na Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, no grau
de Comendador, por Resolução do Tribunal Superior do Trabalho, 11/08/1980;
- Ingresso na Ordem do Mérito Cabanagem, no grau de Mérito
Especial, por resolução da ALEPA, em 07/01/1985;
- Medalha do Mérito “Francisco Caldeira de Castelo Branco”,
pela PMB, 08/01/1985;
- Ordem do Mérito do Grão-Pará, no grau de Comendador,
Governo do Estado do Pará, 12/03/1987 e
- Medalha do Mérito “Jus et Labor”, no grau de “Serviços
Relevantes”, pelo TRT-8ª. Região de 30/06/1988.
Roberto aposentou-se como juiz togado em 5 de outubro de 1990.
Na UFPA, em 1981 foi professor de Fundamentos Econômicos do
Direito, no Curso de Pós-Graduação em Direito. No período de 1991 a 1993
coordenou o Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), do então Centro de
Ciências Jurídicas da UFPA e lecionou a disciplina Sociologia do Direito nesse
curso.
Mas, não foi apenas na área de Ciências Jurídicas que Roberto
desenvolveu suas atividades na Universidade. Ingressou, em 1958, a convite, como
professor catedrático na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Pará –
FFCLPA, onde passou a ministrar as disciplinas de Economia e de História das
Doutrinas Econômicas. Em ambas fui sua aluna, em 1963 e 1964, respectivamente. No período de
1977 a 1980 foi professor do mestrado em Planejamento do Desenvolvimento do
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, mesmo período em que cursei o mestrado do
NAEA.
Na condição de professor de disciplinas econômicas Roberto Santos
cursou Mestrado em Economia na Universidade de São Paulo – USP, defendendo sua
dissertação em 1977, sendo aprovado com distinção e louvor. Orlando Sampaio
Silva, seu amigo e companheiro de trabalho e lutas, testemunhou que ao final do
exame, após a defesa, o professor presidente da Banca Examinadora e Orientador lamentou
não poder conceder ao mestrando o título de Doutor em Economia, tal a qualidade
do estudo apresentado. Em 1980 seu trabalho foi publicado, sob o título “História
Econômica da Amazônia (1800 -1920) ” pela Editora Paulista T. A. Queiroz Editor
Ltda. e tornou-se uma referência para os pesquisadores e estudiosos
interessados em relações econômicas e sociais na Amazônia, com destaque para as
relações de trabalho.
Várias outras de suas obras foram publicadas, dentre as quais
destaco: Problemas do Emprego em Belém, Cadernos Paraenses no 2,
IDESP, Belém, 1966; Leis Sociais e Custo de Mão-de-Obra no Brasil, Ed. Ltr, São
Paulo, 1973; O Processo Histórico da Integração Capitalista da Amazônia, Centro
de Filosofia e Ciências Humanas-NAEA-UFPA, Cadernos, 1981.
Mas, sem sombra de dúvida, no campo da História, Economia, Sociologia
e Política é seu trabalho sobre a História Econômica da Amazônia que mais se
destaca. Referência até hoje para aqueles que estudam políticas de
desenvolvimento da Amazônia e suas relações de poder. Roberto inicia seu livro
chamando atenção ao impressionante crescimento econômico na região durante o
século XIX e o desafio de seu entendimento. Aponta para o fato de que volumoso
refluxo de renda era encaminhado para o exterior e outras regiões do Brasil,
não sendo investidos localmente. Fenômeno até hoje presente nas relações
capitalistas periféricas na Amazônia. Através do conceito de aviamento lança
luzes nas condições de exploração do trabalho nos seringais, no endividamento
permanente do aviado, no lucro do capitalista externo, no papel desempenhado
pelas casas aviadoras e na imensa rede espacial que vai sendo tecida através
dos rios, à medida que a busca pelos produtos vai penetrando o interior da
Região.
Na introdução o autor revela não ter conseguido satisfazer
sua curiosidade, cada vez maior, pela história na região. Que curiosidade seria
essa? “... do poder real, da origem e
relações das elites entre si, dos nexos entre a produção econômica, o mando
político e os modos ou condicionantes institucionais da distribuição do produto
...”. Por outro lado, afirma estar convencido de que a sistematização de
informações econômicas levantadas monta um cenário que permite um caminhar com
maior segurança para os pesquisadores interessados no poder efetivo.
A jornalista Simone Romero, em entrevista publicada em O
Liberal, no dia 12.08.2007 perguntou a Roberto Santos: “Se o senhor fosse escrever uma segunda parte desse livro, incluindo os
fatos recentes ocorridos na economia amazônica, o que destacaria? ” Os
destaques a serem dados seriam outros, considerando as mudanças ocorridas e que
estão ocorrendo na Amazônia, respondeu. E citou alguns, que se constituem
preciosas pistas para os atuais estudiosos e pesquisadores com interesse no
desenvolvimento regional: as alterações climáticas e suas consequências,
considerando a interferência das mudanças do clima na forma como a economia se
desenvolverá na Região; mudanças da sociedade e do homem amazônicos; as questões
ambientais; os novos empreendimentos; as alterações sociais, os avanços
conseguidos, os atrasos que permanecem, enfim, as mudanças no homem amazônico e
as por ele enfrentadas. Nessa mesma entrevista Roberto chama atenção da
continuidade de relações servis de trabalho no meio rural, originadas no
passado através do fenômeno do aviamento e que sutilmente ainda hoje se mantêm
em algumas localidades interioranas do Acre e do Pará. Alerta para o que de
mais novo e mais terrível está acontecendo na Amazônia, a escravidão
disfarçada[6].
Disfarçada em um falso aviamento, que atinge pessoas e famílias oriundas de
outras regiões do país, principalmente do Nordeste.
Observa-se que o tempo não apagou sua combatividade e
idealismo de estudante e professor universitário, evidenciados quando, durante
a ditadura militar, teve atuação destacada na luta pela renovação de quadros
dirigentes da UFPA, tanto na Reitoria como na Direção da Faculdade de
Filosofia. Participou da fundação da Associação Paraense de Sociologia, com
seus colegas e amigos Orlando Costa, Orlando Sampaio Silva e Amílcar Tupiassu.
Nem tampouco abalou seu amor à arte e à cultura. Depoimentos
de amigos e admiradores comprovam sua versatilidade, do piano ao cinema.[7]
A volumosa Biblioteca particular de Roberto Santos passou a
integrar o Projeto Memorial do Livro Moronguêtá, da UFPA, que reúne, organiza e
disponibiliza Bibliotecas que pertenceram a intelectuais paraenses destacados.
Roberto Santos formou uma parceria fantástica com sua esposa,
a ilustre Dra. Elizabeth Santos, pesquisadora e Diretora do Instituto Evandro
Chagas, tendo com ela cinco filhos.
Os sócios do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, e eu
particularmente, sócia fundadora como primeira ocupante da cadeira, temos
imenso orgulho de contar na galeria de nossos patronos com o nome de Roberto
Araújo de Oliveira Santos.
Rompendo um pouco o protocolo, quero registrar o significado
da escolha deste casarão para este rito de passagem como membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará. Casarão em que vivi com meu companheiro,
Antônio Jorge, por mais de 40 anos e que já pertencia à família Abelem há mais
de trinta quando aqui vim morar. O rito de posse, realizado neste local, também
é em homenagem a ele, que aqui recepcionou Roberto Santos para conversas sobre
o Hospital Santa Casa de Misericórdia. Homenagem que se estende ao bairro do
Reduto com sua história construída por migrantes, vários deles libaneses e
portugueses, que compõe a memória da periferia do centro histórico de Belém.
Tenho registros relacionando história do bairro e da cidade com história das
famílias Ferreira Gomes, de meus avós paternos, Ramos, dos avós maternos e Abelem,
que pretendo continuar resgatando na minha passagem no IHGP.
Hoje, tenho orgulho de ver o casarão preservado em suas
linhas básicas, gerenciado por um dos meus filhos, dando suporte a trabalhos na
área de rede de computação e tecnologia da informação, demonstrando como antigo
e moderno, podem subsistir, em diferentes tempos, em um mesmo espaço, preservando
sua história passada, protagonizando tempos modernos presentes e apontando
caminhos para o futuro.
Obrigada.
Auriléa Gomes Abelem
Em 23 de setembro de 2016
[1]
Socióloga, mestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA), a autora é
professora adjunta da UFPA, aposentada, e membro do Instituto Histórico e
Geográfico do Pará.
[2] Em
seu blog Tempo-Espaço e Memória, Orlando Sampaio Silva, Professor Titular da UFPA,
Doutor em Ciências Sociais (Antropologia) ossilva@attglobal.net
presta uma homenagem ao amigo e colega ROBERTO SANTOS, em 02/08/2012
[4]
Vicente Malheiros da Fonseca, desembargador (decano) do TRT-8. Pequena elegia a
Roberto Santos, postado por Poster em 2012/06/26.
[5] Edição
de abril de 1983, LTR – Legislação do Trabalho (vol. 47, n. 4, pp 389-390, São
Paulo).
[6]
Grifo nosso.
[7]
Roberto fazia parte do grupo “Os Espectadores” que vigeu de 1951 a 1956. Era um
dos mais novos. Max Martins apresenta um texto em resposta a seu comentário a
um filme, no livro coordenado por Pedro Veriano, “A Crítica de Cinema em
Belém”, publicado em 1983 pela SECULT e editado pela Gráfica Falângola.